CACD 2020 | Translation Portuguese-English

A fala da língua

As técnicas modernas de mapeamento genético permitiram quantificar o que está à vista de todos. Enquanto nos Estados Unidos apenas 1% da população banca possui alguma ascendência africana, no Brasil a maioria dos brancos — cerca de 60% — pertence a linhagens africanas ou ameríndias em matéria de ascendência materna. O entrelaço genético se reflete no modo como os brasileiros se autoclassificar quando instados a declarar a cor de sua pele: de galega a sarará e de meio preta a cor de canela e puxa para branca, o léxico cromático se ramifica em vasta e anárquica teia de designações.

A linguagem do povo não é apenas um instrumento de comunicação na vida prática: ela incorpora elementos simbólicos e figurativos da cultura e traz inscrita em si mesma um modo particular de pensar e sentir. Há uma forma de vida embutida em nossa língua falada — a língua fala. Daí que, enquanto a presença de termos e expressões afro-indígenas no inglês norte-americano é rarefeita (ainda que não nula), ela transparece de forma ubíqua no português do Brasil. A permeabilidade da cultura luso-brasileira às culturas de raiz africana e ameríndia traduz-se em nossa fala comum e, como revela com exuberância de achados e exemplos o antropólogo baiano Antonio Risério, as áreas de maior influência linguística são justamente aquelas em que a presença afro-indígena passou a integrar o DNA da nossa cultura: a erótica-afetiva; a moral e os costumes; a culinária; música e dança, sem falar, é claro, no vasto domínio dos termos botânicos, zoológicos e toponímicos onde a presença do tupi é proeminente. A mistura das línguas do povo “inventa-línguas” é a mistura dos genes por outros meios. “O que quer, o que pode esta língua?” (288 words)

GIANETTI, Eduardo. Trópicos Utópicos: uma perspectiva brasileira da crise civilizatória. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, com adaptações.

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A texto da tarefa da versão este ano foi extremamente longo, mais longo até que em 2019 (246 palavras na ocasião). Assim como nos últimos cinco anos pelo menos, é um texto que fala sobre o Brasil (desta vez, cultura e língua). A tarefa exigia do candidato, como sempre, competência tradutória muito bem desenvolvida, testada em termos de subcompetência bilíngue, subcompetência extralinguística, subcompetência de conhecimentos de tradução e, sobretudo, subcompetência estratégica.

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