Olá, CACDistas,

Este é o último comentário que publicarei sobre os itens de primeira fase do CACD 2025. Isso não significa, contudo, que concordo com todos os outros gabaritos preliminares ou que avalio que todos os outros itens foram bem elaborados.

ITEM 147 The spiritual armor mentioned in the first sentence of the text can be correctly understood as the condition of literacy, which characterizes the notion of civilization adopted by the author.

Subsídio para recurso: Não é possível interpretar adequadamente o sentido de “spiritual armor” no contexto, pois sua interpretação depende de noção construída no parágrafo anterior da obra, ao qual o examinador teve acesso, mas o candidato, não. 

Apesar de o caderno de prova não informar isto, o texto apresentado na prova é adaptado. O texto referenciado começa assim: “Thus equipped with spiritual armor against the threats and blows of a new, strange life, literate man marches forth to win victories in war and statecraft, art and science, religion and business” (disponível aqui, página 22). O advérbio “thus” (ausente no caderno de prova) tem, no contexto, uma função anafórica, retomando elementos argumentativos desenvolvidos anteriormente (ou seja, em uma porção de texto não disponível na prova), entre eles a ideia de que o ingresso do homem na civilização letrada implica uma perda de vínculos espirituais e comunitários, que ele tenta compensar por meio de símbolos de pertencimento, como os signos do Estado e da Igreja.

Este é o parágrafo imediatamente anterior ao texto adaptado apresentado pela banca:

Civilized man is neither more nor less brutish, self-seeking, or immoral than preliterate man. But, by virtue of division of labor and the witchery of writing, he lives at length in a great society rather than in a local community. He faces stresses and strains and dilemmas which have few counterparts in preliterate societies, save when they are in decay or under lethal assault from other cultures. As he grows up, his transfers of fear, rage, and love no longer flow smoothly from self to family to clan to tribal gods and to medicine men and the folkways and mores of his people. In a bewildering, pulsating urban world the age-old passions must perforce be transferred in part to abstractions: kings and popes, nobles and priests, castes and classes, sects and factions, provinces and nations, signs and words representing the prevalent conception (or somebody’s conception) of truth, beauty, and goodness and of falsehood, ugliness, and sin. In the process, old gods die, and old ways pass. Fresh learning is called for. All learning is painful. Work is to be done. All work is grief. Having crossed the threshold of civilization, man finds his mind by losing his soul. In dread and loneliness he grasps at feeble symbols of self-assurance. These, invariably, are devices which will recapture some sense of identity with the community and the cosmos. These are, most frequently, the signs and portents of State and Church, of mundane power and divine grace, usually mingled in a unity of belief and action which carries over into a new context much of the comforting magic of the lost days of long ago.

Esse parágrafo, omitido na prova, é essencial para a compreensão da metáfora “spiritual armor”. Nele, o autor apresenta uma análise dos efeitos subjetivos da civilização letrada: o homem moderno, ao atravessar o limiar da racionalidade escrita, perde vínculos comunitários e espirituais orgânicos e, em sua solidão e angústia, busca símbolos compensatórios que resgatem um senso de pertencimento. Esses símbolos — “signs and portents of State and Church” — são justamente aquilo que o texto, no trecho seguinte, chama de spiritual armor. Portanto, essa expressão só pode ser adequadamente interpretada à luz de informações não disponíveis ao candidato na prova. 

Além disso, com base na leitura desse parágrafo anterior — indisponível na prova —, fica claro que a spiritual armor não pode ser corretamente entendida, como propõe o item, como “a condição de letramento”, como propõe o item. Não é condição, mas sim uma reação simbólica e espiritual ao desamparo existencial causado por ele. A proposição do item está, portanto, equivocada, pois distorce a metáfora ao ignorar o processo de desintegração subjetiva e reconstrução simbólica descrito pelo autor. O item deveria ser anulado.

Comentário crítico: comentei os efeitos deletérios de adaptações como essa para a validação do exame de inglês nos comentários sobre o item 133.

ITEM 138 According to the last paragraph of the text, the local population of the Arab shores was greatly frightened by the presence of the newcomers because nobody knew what their purpose was.

Gabarito preliminar: ERRADO

Subsídio para recurso: O gabarito preliminar que considerou o item 138 como errado está incorreto, pois contraria as informações expressas no texto de estímulo. O enunciado afirma que, segundo o último parágrafo, “the local population of the Arab shores was greatly frightened by the presence of the newcomers because nobody knew what their purpose was.” Essa afirmação está integralmente sustentada pelo trecho final do texto, que diz: “The arrival of this fanatical army horrified the locals. Who were these pale-skinned, blue-eyed barbarians, marching under the sign of the cross, and what did they want on Arab shores at the dawn of the twelfth Christian century?”

Esse trecho explicita que:
(1) a população local ficou aterrorizada com a chegada dos estrangeiros (“horrified the locals”);
(2) havia incerteza generalizada quanto aos propósitos desses recém-chegados (“what did they want on Arab shores?”).

Ou seja, os dois elementos centrais do item – o medo dos locais e o desconhecimento sobre as intenções dos recém-chegados – estão presentes na superfície texto. 

Sobre o uso da palavra “nobody” no item, a qual inexiste no texto, a pergunta“what did they want…?” é uma expressão clara de desconhecimento coletivo sobre o propósito da presença dos estrangeiros. Trata-se de uma incerteza generalizada: a pergunta retórica, com sua função expressiva, demonstra a perplexidade da população local em geral. Assim, interpretar que o item está errado por causa do uso de “nobody” seria uma leitura literalista e descontextualizada, a qual desconsidera os efeitos pragmáticos da linguagem no texto.

ITEM 133 The author argues that the ethical governance of AI’s application in diplomacy is especially critical because its influence may extend beyond technical efficiency to altering the global distribution of political power.

Gabarito preliminar: CERTO

Subsídio para recurso: o item está ERRADO porque o texto não afirma que a influência da IA na diplomacia pode alterar a distribuição global do poder político.

O primeiro parágrafo afirma que, especialmente através de sistemas desenvolvidos em países com prioridades geopolíticas diferentes, a IA pode manipular sutilmente o comportamento humano, aprofundando a divisão tecnológica entre países avançados e aqueles com recursos limitados e reforçando (não alterando) assimetrias globais de poder.

O segundo parágrafo confirma que o item 133 está errado porque afirma que a incorporação da inteligência artificial à diplomacia deve ser governada por estruturas éticas fortes, especialmente quando a tecnologia tem o potencial de moldar as relações globais de poder por meio de negociações sensíveis. Em nenhum momento o texto sugere que a IA altera a distribuição global de poder político; ao contrário, ele enfatiza que a IA tende a reforçar assimetrias já existentes. A expressão usada no texto — “shape global power relations” — indica influência dentro de uma ordem preexistente, não uma transformação estrutural dessa ordem. Portanto, ao afirmar que a influência da IA pode levar à alteração da distribuição global de poder, o item extrapola indevidamente o que o texto argumenta, o que o torna errado.

Comentário crítico: ao ler as referências deste texto, o candidato pode ser levado a crer que está diante de um excerto do texto de Anusha Guru. No entanto, uma análise cuidadosa revela que o texto referenciado foi profundamente modificado pela banca examinadora (veja esta tabela comparativa). Essa prática não é exceção, mas sim uma constante nas provas de primeira fase de inglês do CACD: sob a aparência de “genuinidade textual”, o que é apresentado ao candidato é, na verdade, uma versão reformulada que expressa — com ênfases, omissões, substituições e reordenações — aquilo que o examinador quer que o candidato leia e interprete. Esse processo de adaptação vai muito além de ajustes de linguagem: ele envolve intervenções que alteram nuances argumentativas, reforçam certas ideias em detrimento de outras e, por vezes, possibilitam inferências não possibilitadas pelo texto referenciado (e vice-versa). Portanto, a dificuldade em avaliar esse tipo de item não está apenas na competência linguística do candidato, mas na instabilidade causada por um texto cuja forma e cujo conteúdo são manipulados.

Esse tipo de adaptação compromete a validação da avaliação. Quando o enunciado do item é construído a partir de uma versão reescrita e reinterpretada de um texto referenciado, o que se está testando não é a capacidade de o candidato compreender um texto genuíno (como ele deverá fazer, quando for diplomata), mas sim a habilidade de interpretar uma construção textual intermediada pela banca — com seus próprios filtros ideológicos, suas escolhas lexicais e suas reformulações argumentativas. É preciso que a banca examinadora repense, urgentemente, essa abordagem aos textos de estímulo na prova de inglês de primeira fase.

Caros CACDistas,

Começo, com esta postagem, a comentar alguns dos itens contra os quais acredito caber recurso, considerando o gabarito preliminar publicado em 22/07.

ITEM 123 In the excerpt ‘And we never connected the dots for women themselves to build the constituencies’ (second sentence of the last paragraph) the phrase ‘to build the constituencies’ functions as an adverb that modifies ‘connected’.

Gabrito preliminar: CERTO

Subsídio para recurso: O item está ERRADO porque afirma que a expressão “to build the constituencies” funciona como um advérbio que modifica o verbo “connected”, o que não é possível por duas razões fundamentais: classe de palavras e função sintática.

Primeiramente, advérbio (adverb) é uma classe de palavra — ou seja, um advérbio é uma palavra, como quicklyneverheretherealwaysperhaps. Advérbios podem modificar verbos, adjetivos ou outros advérbios, indicando circunstâncias como modo, tempo, lugar, intensidade, frequência ou causa.

Já “to build the constituencies” é uma oração infinitiva — formada por “to” + verbo no infinitivo (“to build”) seguido de seu objeto direto (“the constituencies”). Não se trata, portanto, de adverb, que é uma classe de palavra. Afirmar que uma oração infinitiva é um advérbio é, portanto, um erro: uma oração não pode ser classificada em uma classe de palavras.

Em segundo lugar, mesmo que analisássemos a expressão do ponto de vista funcional — ou seja, como adverbial (termo que designa qualquer estrutura que exerça função de adverbial, independentemente da classe de palavras) —, o item ainda assim estaria errado. Isso porque a oração “to build the constituencies” integra uma estrutura mais ampla: “for women themselves to build the constituencies”. Essa estrutura é uma oração infinitiva com sujeito expresso (“women themselves”), introduzida pela preposição “for”, e expressa finalidade: indica com que objetivo os “dots” deveriam ter sido conectados.

Assim, o item está errado porque:

– “To build the constituencies” não é “adverb”, como afirma o item — advérbio é classe de palavras, e essa é uma oração infinitiva.

– Essa oração infinitiva nem ao menos é adverbial no contexto.

Assim, do ponto de vista da classe de palavras e da função sintática, o gabarito está incorreto.

Comentário crítico: É preocupante que, em pleno 2025, a banca examinadora continue a elaborar a itens estruturalistas, centrados exclusivamente em aspectos formais da língua, como classes de palavras e funções sintáticas, em uma prova que se propõe a avaliar a competência leitora em inglês para selecionar os “melhores candidatos” (= maiores notas) como diplomatas. Esse tipo de item não oferece evidências válidas sobre a habilidade de interpretação textual do candidato, pois sua resolução depende apenas da análise microestrutural da frase, desvinculada de qualquer compreensão global ou inferencial do texto.

Mais preocupante ainda é o fato de que, além de persistir nesse modelo anacrônico de avaliação, a banca reincide nos mesmos erros de formulação (como se viu, por exemplo, na Q39.3 do CACD 2024), demonstrando, ano após ano, a falta de domínio de conceitos gramaticais, ou seja, do próprio estruturalismo que insiste em avaliar. A permanência desse tipo de falha compromete a qualidade e a validação da avaliação e evidencia a urgência de uma revisão profunda nos métodos de elaboração da prova de inglês.